Paulo José Miranda
Um prego no Coração
(Ficção)
Livros Cotovia
Coleção Três razões
1ª edição
1997
78 p
Natureza Morta
(Ficção)
Livros Cotovia
Coleção Três razões
1ª edição
1998
133 p
Vício
(Ficção)
Livros Cotovia
Coleção Três razões
1ª edição
2001
118 p
Prémio de Poesia Teixeira de Pascoais, 1997
1º Prémio José Saramago, 1999
Paulo José Miranda
O Poeta e escritor que perdeu a pátria!
O único jovem romancista português que Herberto Hélder conseguia ler.
José Saramago atribuiu-lhe o primeiro prémio literário com o seu nome. Herberto Helder disse que ele era «o único jovem romancista português que conseguia ler». De escritor-promessa da geração de 1990 a persona non grata do meio literário português, eis Paulo José Miranda. Um ilustre desconhecido, agora a viver no Brasil.
O escritor que perdeu a pátria
por Joana Emídio Marques Fotografia de
Euricles Macedo, no Brasil
José Saramago atribuiu-lhe o primeiro prémio literário com o seu nome.
Herberto Helder disse que ele era «o único jovem romancista português que
conseguia ler». De escritor-promessa da geração de 1990 a persona non
grata do meio literário português, eis Paulo José Miranda. Um ilustre
desconhecido, agora a viver no Brasil.
Não há quem não conheça os nomes de José Luís Peixoto, Valter Hugo Mãe,
Gonçalo M. Tavares ou João Tordo. Mas poucos, muito poucos, registaram, recordam
ou conhecem o nome de Paulo José Miranda e da sua pequena obra-prima,
Natureza Morta, que em 1999 foi distinguida com o primeiro prémio
literário José Saramago. O que aconteceu então a este poeta e prosador que um
dia foi considerado o maior valor da sua geração, o herdeiro de Saramago e
Herberto Helder, que hoje não encontra editora para os seus livros? Treze anos
depois de ter recebido o prémio com o nome do Nobel, Paulo José Miranda fala
pela primeira vez à imprensa.
De dois em dois anos, no outono, quando Pilar del Río anuncia o Prémio
Saramago, há sempre alguém que pergunta «o que é feito de Paulo José Miranda?»,
e há sempre alguém que responde: «Foi para a Turquia, gastou todo o dinheiro em
vinhos caros e ficou por lá.» Como não há mais pormenores, a conversa morre aqui
e a lenda compõe-se com os detalhes que a imaginação de cada um permite.
Porém, a realidade é outra, e se Paulo José Miranda (P.J.M.) está mais perto
do que se supunha, a sua história é mais fascinante do que qualquer ficção que
sobre ele se tenha inventado.
Naquele dia de outubro de 1999, P.J.M. estava com a namorada num festival de
cinema no Sul da Turquia quando teve uma súbita vontade de conversar com a mãe,
com quem não falava há sete meses. Como não tinha dinheiro andou a pedir moedas
numa estação rodoviária para ligar de um telefone público. A mãe avisou logo que
«andava muita gente atrás dele», mas que só o seu editor, André Jorge, da
Cotovia, poderia explicar-lhe a razão. A conversa com a mãe acabou-lhe com as
moedas e P.J.M. teve de voltar a apelar à simpatia dos outros viajantes para
conseguir ligar de novo para Portugal.
«Está sentado?», perguntou-lhe André Jorge, antes de lhe contar que Saramago
e Pilar del Río também andavam à procura dele para lhe anunciarem que tinha
ganho a primeira edição do prémio literário. «Andavam todos à minha procura e eu
no Sul da Turquia, incontactável durante meses», recorda Paulo numa voz grave
mas acolhedora, com um subtil sotaque brasileiro, fruto dos sete anos que já
leva de vida no Brasil.
«Compraram-me uma passagem para ir a Portugal receber o prémio. Fiquei poucos
dias em Lisboa, conversei vagamente com Saramago. Falei mais com a Pilar. De
resto, fazia um ano que ele tinha ganho o Nobel e era ele o centro das atenções.
Ninguém me ligou nenhuma. Não dei uma entrevista sequer. Voltei para Istambul e
a única diferença foi que trazia mais dinheiro.»
A forma como o escritor gastou o valor do prémio é sem dúvida menos
superficial do que a traçada na lenda. Nada de vinhos caros. Com o dinheiro do
prémio comprou uma câmara de filmar à namorada, a multipremiada realizadora
turca Pelin Esmer que na altura dava os primeiros passos como cineasta. «Com
essa câmara ela filmou o seu primeiro documentário com o qual venceu o prémio de
melhor documentarista revelação no festival de cinema de Tribeca [Nova Iorque],
em 2006», revela P.J.M.
E se hoje Pelin Esmer é uma conceituada realizadora cujos filmes têm na
história o nome de Saramago, Paulo José Miranda é um ilustre desconhecido.
Afinal abandonou a Turquia, vive há sete anos no Brasil e como todos os que têm
o vício da imaginação e o génio da palavra escreve compulsivamente. Poesia,
romances, ensaios, que aguardam ver a luz do dia.
Emigrante ilegal e, até há dois meses, totalmente indocumentado (a validade
do passaporte expirou em 2005, pouco depois de chegar ao Brasil, e o bilhete de
identidade tinha caducado em 1997), P.J.M. sobrevive dando ocasionalmente
algumas aulas particulares de música. Viveu no Rio de Janeiro, São Paulo e agora
em Curitiba. Apesar das precariedades do quotidiano, voltar a Portugal é algo
que o «aterroriza».
O poeta mexicano Octávio Paz escreveu sobre Fernando Pessoa: «Não há revolta
na sua vida. Apenas uma mágoa parecida com desdém.» Esta frase também podia
tê-la escrito sobre Paulo José Miranda.
Hoje em dia os seus livros só se encontram em alfarrabistas ou na Feira da
Ladra. Trocam-se como pequenas preciosidades entre os seus admiradores. E não
são poucas as obras que publicou entre 1998 e 2008. Estreou-se com o romance
Um Prego no Coração (faz parte da trilogia que inclui O Vício e
Natureza Morta). No mesmo ano, lança uma das mais belas e inesquecíveis
peças da nova dramaturgia portuguesa, O Corpo de Helena, em que recupera
a voz do herói mítico Agamémnon, e um livro de poesia, A Arma no Rosto.
Nos anos seguintes lançou outra obra poética, O Mal, e aforismos sob o
título América.
Só em 2011 volta a editar um romance, Com o Corpo Todo. Passou anos a
enviá-lo sem sucesso para chancelas e responsáveis editoriais portuguesas até
conseguir ser aceite pela Ulisseia (grupo Babel). O livro chegou às livrarias no
mês de julho e passou praticamente despercebido. O escritor que fora a promessa
dos anos 1990 não parecia interessar ninguém ou quase.
Como se falasse de uma coisa que só vagamente lhe interessa ou lhe pertence,
P.J.M. explica que no mês em que o livro saiu o editor deixou a Ulisseia. «Não
houve qualquer promoção, não recebi sequer os exemplares a que tinha direito,
não sei nada sobre o percurso da obra. Vendeu muito? Vendeu pouco? Nunca me
disseram nada.»
O poeta perdido no Brasil
Se há um galardão que, na última década, tem servido para alavancar a
carreira de vários escritores e garantir a internacionalização da sua obra é o
Prémio José Saramago. Mas Paulo José Miranda é o único que não pode contar essa
história. Não consegue editar os seus livros e diz que é ostensivamente ignorado
pelos media portugueses.
«Para mim, Paulo José Miranda é o melhor escritor de todos os que receberam o
Prémio Saramago», afirma Vasco Luís Curado, um dos novíssimos autores e
finalista do Prémio Leya. «As narrativas dele têm uma carga e uma intenção
poética, quer ao nível da ação quer da linguagem, que o tornam incomparável.
Nada ali é gratuito ou para entreter.»
Com o Corpo Todo é um romance violento, sem concessões. A angústia das
narrativas que escreveu nos anos 1990 converte-se em dureza. A poesia está lá
mas muda de tom. A realidade continua a ser algo de inacessível às personagens e
aos leitores, mas é como se P.J.M. tivesse desistido da ideia de redenção e
tivesse assumido que o desterro é a condição do humano.
«Admiro muito a coragem de P.J.M. ter conseguido transformar tão radicalmente
a sua escrita», diz ainda Vasco Luís Curado. «A maior parte dos escritores não
tem essa coragem e fica a tentar repetir-se, para continuar a agradar a editores
e leitores ou porque não sabe fazer mais.»
«Eu escrevo. É isso que eu faço», afirma P.J.M. com a tranquilidade de uma
evidência. «Não escrevo aquilo que os editores querem publicar, não escrevo para
as massas. Além disso estou longe. Estou fora do circuito. Sempre estive.»
«Conheci o Paulo quando ele foi meu aluno no curso de Filosofia», conta
António de Castro Caeiro, professor de Filosofia e Grego na Universidade Nova de
Lisboa, melhor amigo do escritor. «Apesar de ser um aluno brilhante ele não é um
filósofo, é um poeta. Não só no que escreve mas também no que é. No nosso meio
de amigos ele é conhecido como "o poeta".»
Este desligamento de P.J.M. aos constrangimentos do quotidiano e as
circunstâncias difíceis da sua vida são contados por Caeiro com um encolher de
ombros e um sorriso. «Ele é mesmo assim. É um poeta.»
«Quando o visitei no Brasil ele raramente saía de casa. Não tinha documentos.
Mal tinha dinheiro para comer. Apenas escrevia. Fui eu e um amigo que o levámos
a conhecer a cidade onde ele vivia», diz com uma gargalhada. «Ele é mesmo assim.
É mesmo um poeta», repete, como se estas palavras fossem o retrato mais preciso
de P.J.M.
Paulo José Miranda nasceu em Lisboa em 1965, cresceu em Paio Pires, no
Seixal. Começou por estudar música. Foi aluno do Hot Club e teve uma banda
punk. Toca todos os instrumentos mas a sua especialidade é a
guitarra-baixo. «A música foi a minha vida até perceber que não seria tão bom
como queria», recorda. «Quando percebi isso, deixei-a para trás.» Tinha 27 anos quando decidiu mudar de vida, 30 quando escreveu o primeiro livro, 34 quando recebeu o Prémio Saramago. Mas nunca saiu da penumbra, embora não tenha passado despercebido num certo meio literário lisboeta que se reunia todas as tarde numa leitaria das Escadinhas do Duque e onde paravam, entre outros, os poetas António Cabrita e Herberto Helder. Nunca deu uma entrevista. Nunca escreveu crónicas em jornais nem apareceu em programas de televisão. Porquê? «Porque nunca me convidaram», responde com alguma indiferença.
Quase anónimo, quase celebridade, P.J.M. regressou a Portugal em 2003 depois da rutura com a cineasta Pelin Esmer e com o seu editor de sempre André Jorge (Cotovia). Continuou a escrever compulsivamente. Mas para ele tal como para as personagens que foi criando a morte torna-se, por vezes, um lugar demasiado atraente. Sobre estes tempos sombrios P.J.M. diz apenas: «Por vezes é preciso morrer para ver melhor. Morrer para renascer.»
Agora em Curitiba escreve, reescreve, toca, reinventa-se. Por necessidade, por fatalidade. Áurea, a nova companheira, é advogada e ajudou-o a tratar da documentação. «Agora até já tenho o Cartão de Cidadão», diz, rindo.
Numa estranha coincidência, quando a Notícias Magazine preparava esta entrevista, Paulo recebeu a proposta editorial mais prometedora dos últimos anos: Gonçalo Bulhosa, da editora Oficina do Livro, queria editar não só os seus novos romances como reeditar toda a obra anterior. Filhas, que chegou às livrarias no início de julho, é o romance que promete abrir a nova fase da vida de Paulo José Miranda e, quem sabe, colocá-lo definitivamente nas rotas literárias dos portugueses, porque afinal, como ele próprio escreveu um dia, «só sofremos de amor e de uma obra por cumprir».
VT do mesmo autor:
http://alfarrabistamitodesisifo.blogspot.pt/2014/02/trilogia-de-paulo-jose-miranda-1s.html
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e
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